Minha doce Marina
Sim, é para você mesma que
estou escrevendo. Você que ainda outro dia subiu pela primeira vez os degraus
do Colégio EME, destemida e determinada. Você tinha 10, 11, 12 anos? Que
importa? Já se passou uma década, e agora me chega a informação de que aquela
determinação que tanto me contagiou parece esmaecer frente às agruras do
dia-a-dia.
Você há de me questionar “Como
não perder a fé diante de tantas incongruências? Como não perder a força diante
de tantos desafios? Como matar um leão a cada dia e ainda sorrir?” Essas
respostas, eu mesma as procuro há tempos... Garanto que é difícil pensar nisso
sem manifestar a vontade inicial de reclamar, e, a cada vez que a vontade vem,
penso no volume de pessoas que estão no mesmo barco que eu. E é nesse momento
que lembro de uma de minhas irmãs e sua invencível filosofia de vida: Polyanna
com seu "jogo do contente". O jogo consiste em procurar extrair algo
de bom e positivo em tudo, mesmo nas coisas aparentemente mais desagradáveis.
Juro que me esforço, mas confesso achar injusto “jogar” sozinha, buscar coisas
boas em tudo, enquanto o mundo não faz nenhum esforço ao me apresentar seu lado
cruel.
Lembro de outra Marina, a
Colasanti, quando ela diz que “A gente se acostuma a coisas demais, para não
sofrer. Em doses pequenas, tentando não perceber, vai afastando uma dor aqui,
um ressentimento ali, uma revolta acolá. (...) A gente se acostuma para poupar
a vida. Que aos poucos se gasta, e que, gasta de tanto acostumar, se perde de
si mesma”. A crônica chama-se “Eu sei, mas não devia”, e faz justamente uma
crítica ao jeito Polyanna de ser. O acostumar-se significa encontrar o positivo
em tudo o que nos revolta e desagrada. E o acostumar-se faz a vida perder-se de
si mesma, perder seu sentido.
Talvez, querida Marina, o
caminho a se percorrer seja o caminho revelado no verbo “temperar”, quando
usado para atenuar ou suavizar o sabor de algo. É preciso temperar a vida. É
preciso temperar nossas angústias e (in)decisões. É preciso temperar nossas
palavras e reflexões e encontrar um novo sabor para elas. Da mesma forma que
Polyanna tempera sua vida de órfã, abandonada à própria sorte; da mesma forma
que a cronista tempera seu texto e nos faz pensar sobre a necessidade de salvar
nossa pele.
E já que falei de temperos,
poderia, agora, enveredar por uma receita que nos ajudasse a amenizar nossas
tristezas, a harmonizar nossas incertezas, a conciliar nossos medos e coragens;
uma receita que nos ensinasse a temperar nossa existência tão fugaz e efêmera.
Você, com certeza, perguntaria “Vale a pena?”.
E eu plagiaria outro querido, o Rubem Braga, e teria uma resposta na
ponta da língua “Nada adianta coisa alguma, a não ser o tempo; e escrever essas
bobagens (que alguns chamam de crônica) é um meio tão bom quanto qualquer outro
de passar o tempo.”
Com carinho,
Elizabeth Lucena
Elizabeth Lucena