*Celso Tracco
Uma das
características de uma sociedade ainda bem distante da cidadania é o exercício
do autoritarismo, transvestido de uma autoridade constituída pela lei. A
sociedade brasileira mantém um grande "ranço" autoritário,
prepotente, dominador e escravocrata. Além disso, temos um sistema jurídico que
deseja legislar sobre absolutamente tudo, deixando a impressão que somos uma
sociedade imbecilizada e incapaz. O artigo 331 do Código Penal, Decreto Lei n.
2848/40 escancara essa situação:
Art. 331
– "Desacatar funcionário público no exercício da função ou em razão dela:
Pena – detenção, de seis meses a dois anos, ou multa".
Quem já
frequentou alguma repartição pública certamente notou esse aviso. Em geral, ele
está afixado em destaque e em tamanho indisfarçavelmente grande. O
autoritarismo por trás desta lei me parece incontestável. Em primeiro lugar, o
"funcionário" público deveria ser chamado de SERVIDOR PÚBLICO, pois
ele está lá, "apenas", para atender os contribuintes que, através dos
impostos arrecadados, pagam seus salários. Em grande parte das vezes, o contribuinte
precisa recorrer ao "serviço público" para resolver problemas que a
própria burocracia pública criou. O contribuinte deveria ser tratado como
cliente e não como um incômodo indesejável.
É evidente
que não se deve desacatar ninguém, em nenhuma circunstância. Mas quem determina
o que é um desacato? Também é evidente que não devemos generalizar e,
certamente, há milhares de bons e eficazes servidores públicos. Mas é notória a
grave improbidade administrativa governamental. O eventual descaso no
atendimento é uma falta de consideração com o contribuinte e ele tem que
aceitar isso por força de lei? Não me parece ser razoável. Os serviços públicos
deveriam ser avaliados pelos contribuintes de acordo com seus préstimos à
comunidade. E os melhores servidores deveriam ser promovidos e os
constantemente mal avaliados deveriam ser afastados. A meritocracia deveria
imperar como em qualquer outra entidade que presta um serviço a quem quer que
seja. Jamais o serviço público deveria ter tanta ingerência política, pior
ainda partidária, que apenas prejudica a população e é uma fonte de corrupção.
Mesmo com os
nossos seculares problemas, a sociedade brasileira precisa se aproximar do
século XXI no qual os serviços estão cada vez mais informatizados e a população
é tratada de forma mais igualitária, mais solidária, mais humana. Quando os
governantes usarem transporte, saúde e escolas públicas, certamente os serviços
irão melhorar. Um dia a frase-título cairá em desuso, pois todos saberão com
que estão falando: com um cidadão ou cidadã que tem os mesmos deveres e
direitos perante a sociedade e a comunidade. TODOS efetivamente serão iguais
perante a LEI, justa e igualitária.
*Celso Luiz Tracco é economista e autor
do livro Às
Margens do Ipiranga
- a esperança em sobreviver numa sociedade desigual.