ANDANDO POR AÍ - Correio da Lavoura

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7 de fev. de 2019

ANDANDO POR AÍ

Por João da Rua

Febre alta
Semana passada falei aqui sobre a erradicação da febre amarela em 1907, como resultado do trabalho científico do maior sanitarista que o Brasil possuiu. Certamente, Oswaldo Cruz, egresso do Instituto Pasteur, em Paris, onde estagiou sob a inspiração do seu patrono, Louis Pasteur, de retorno ao Brasil pode desenvolver sua ação no campo da higiene pública, consciente da precariedade do nosso sistema de saneamento básico – o que até hoje permanece, colocando o Brasil nos piores índices do planeta. Neste quadro, como atacar o problema da saúde pública?
Em face desse grande desafio o nosso sanitarista não hesitou então em deitar mãos à obra. Estimulado, de cima para baixo, pelo Presidente Rodrigues Alves e pelo Prefeito Pereira Passos, todos dominados por uma positiva obsessão, a de “limpar” a ex-capital da República, quando esta ainda abrigava em seu centro um número incontável de cortiços. Segundo os mais renomados cronistas da época, como João do Rio e Lima Barreto, “a cidade fedia”.
Afrancesá-la foi a saída. E ninguém melhor do que Pereira Passos para por em prática o propalado e muito condenado na época “bota-abaixo”. Para tanto, nos diz a história, contou com a preciosa colaboração de Oswaldo Cruz, por ele próprio nomeado Diretor Geral da Saúde Pública. Afinal de contas, “limpar” uma cidade queria dizer, antes de tudo, saneá-la.
Toco neste assunto em razão do badalado surto de febre amarela que tornou-se manchete principal dos jornais impressos e sobretudo televisivos do país. O fato crucial é este e que merece uma só indagação, cuja resposta logicamente nos remete à falência dos serviços públicos no Brasil, ainda mais agora que o Estado, ele próprio, se vê invadido pela fúria privatista comandada pelas vorazes falanges do mercado.
Se tivéssemos brasileiros de verdade no comando do país, e não esses meliantes que tomaram de assalto o governo, não estaríamos vivendo esta regressão histórica em termos de saúde pública. Neste campo, como nos demais que dizem respeito ao bem estar coletivo, estamos permitindo que a recolonização aqui se instale, motivados pelo avanço meteórico da comunicação eletrônica que acaba, para um povo idiotizado como o nosso, servindo como um aplicativo que vem nos transformando em alegres e alienados habitantes de uma continental ilha da fantasia.
O véu que nos impede de enxergar o futuro absolutamente incerto de um país em crise de identidade tem que ser rasgado o quanto antes. Estamos perdendo um tempo precioso em termos de reconstrução nacional. Nossa degradação é maior do que a maioria imagina. Tancredo Neves, morto há 32 anos, já nos alertava quanto a isso. E vejam que não estou citando aqui nenhum revolucionário feroz, capaz de tirar o sono da classe dominante e abalar os alicerces da ordem estabelecida. Nada disto. Falo de um tradicional mineiro de São João d’El Rey, conservador e católico genuflexo, mas que nutria – ao contrário dessa canalhada que invadiu de uns tempos pra cá a vida pública brasileira – um verdadeiro e puro sentimento de amor ao seu país. Um sentimento que ele e tantos outros de sua geração souberam cultivar e manter ao longo de uma existência em que as tentações da política não fizeram com que se desviassem de um rumo definido a seguir. Perdemos nossa principal razão política, aquela que nos induzia a não percorrer atalhos nem variantes no caminho da defesa intransigente do interesse público.