POR JOÃO DA RUA
A profecia do meu avô
Meu avô materno morreu em
1961. Uma arteriosclerose o havia imobilizado numa poltrona, onde passava o dia
inteiro. Sem fala, mas com visão e audição, observava tudo a seu redor, no
estreito espaço de uma casa de avenida, onde as pessoas e as irmãs do convívio
profissional de minha tia – que era hábil costureira – circulavam numa rotina
que tornavam previsíveis todos os dias da semana em sua invariável rotina.
Meu querido e saudoso avô, um
kardecista de sacerdotal devoção, me proveu na infância e na adolescência – os
tempos de minha curta convivência com ele – que os devotos sinceros, de
qualquer linha religiosa, beiram a sabedoria quando amadurecem verdadeiramente
suas convicções doutrinárias. Ele encarnava muito bem esse caráter, até porque
minha lembrança é de um senhor, já aposentado da sua querida Estrada de Ferro
Central do Brasil, numa trajetória de dedicação e competência que o fez ser
inscrito, nos anais da EFCB, como funcionário exemplar, “o mestre dos mestres”,
assim definido como operário que contribuiu, a seu tempo, para fazer a história
da mais importante rede ferroviária nacional, de origem imperial desde sua
fundação por D. Pedro II.
Pois bem, o velho Adolfo, como
espírita devotado à doutrina corporificada por Allan Kardec, tinha dentro dele
uma característica bem visível nos kardecistas de sua geração inaugural da
doutrina no Brasil: o hábito da reflexão. Diante dele, não saíamos do encontro
familiar sem lhe pedir uma opinião, um conselho, uma palavra que fosse sobre
este ou aquele assunto, sobre esta ou aquela pessoa. A resposta, nem sempre
afirmativa – não tinha receio de revelar as certezas de suas dúvidas –, vinha
lenta, vagarosa, logicamente pensada por quem aprendera ao longo do tempo a não
ser deixar levar pelo impulso, pela frase apressada destituída de qualquer
reflexão. E foi num desses momentos, quando ele ainda tinha voz, indagado sobre
o que achava das turbulências políticas decorrentes da renúncia de Jânio (1961)
e o consequente impedimento de Jango, o vice, pelos seus velhos desafetos
militares, problema que só foi “solucionado” pelo remendo improvisado
parlamentarismo, meu avô apenas me disse: “Meu filho, as forças do mal, quer
dizer, as falanges do mal estão sempre presentes. Elas, ao longo da história,
jamais nos abandonaram. Estão sempre aí. O bem é temporário. (Um dia, não
sabemos quando, ele será permanente). Mas enquanto isso não acontece – e não
será para o meu tempo, que já me encontro no fim da jornada, e também não será
para você e nem para os seus netos –, teremos que resistir às falanges do mal.
Combatê-las, reconheço, não é tarefa fácil. São muito mais poderosas do que
imaginamos. Vocês, meus filhos, que estão começando a viver agora, tenham
cuidado. Não permitam jamais que essas falanges sequestrem de vocês a esperança
de viver num mundo melhor, de justiça e igualdade”.
Aos
14 anos, estava diante de um profeta e não sabia.