Obituários
1. Os sinais são funestos. Neste ano de 2019, antes mesmo de findar seu primeiro semestre, o noticiário tem sido morbidamente rico em obituários. Desde o início até aqui, não me lembro de uma semana sequer em que a morte de alguém não fosse notícia, de um quase vizinho ou de um famoso(a) nacional ou internacional. Os lutos se sucedem em sentimento e dor, num pesar que não cessa. Nada disto, no entanto, descarta o humor negro de Millor Fernandes (acredito que um desconhecido para as novas gerações, melhor dizendo, para aqueles que já chegaram ao meio século de existência). Certa vez, num papo em torno da morte, Millor disse: “Confesso que às vezes a leitura de obituários me trazem gratas notícias”.
2. A notícia, aqui, da morte de Lúcio Mauro (92) e lá fora de Doris Day (97) foi de grande pesar para os admiradores da arte cênica. Lúcio Mauro, na TV sobretudo, e Doris Day, no cinema, marcaram os da minha geração em diferentes graus de intensidade. A partir dos anos 50, quando o cinema americano era o paraíso do nosso entretenimento, Doris Day marcou seu início de carreira como excelente cantora, entre as brancas – ela, Judy Garland, Anita O’Day, Rosemere Cleoney – que tiveram a incumbência de encarar as deusas do jazz Billlie Holiday, Ella Fitzgerald e Sara Vaughn. Não foi tarefa nada fácil, mas Doris revelou sua excelência num começo puramente musical, até explodir como atriz sedutoramente simpática especialmente em comédias românticas, em que a cantora invariavelmente socorria a comediante com o brilho de sua voz em cenas de humor.
3. Lúcio Mauro não era dos mais antigos. Muitos o precederam no rádio, no teatro de revista, no cinema. No meu caso, ainda deu para ouvir e ver comediantes que marcaram época na fase áurea do rádio e do cinema com suas chanchadas que fizeram rir algumas gerações que tiveram o prazer, a alegria de viver num tempo sem o ódio e a violência de agora. Mesquitinha, Colé, Mazzaropi, Oscarito e Grande Otelo, Lauro Borges e Castro Barbosa, Brandão Filho, Walter D’Ávila e sua irmã Ema, Berta Loran, Alda Garrido, Nádia Maria, Zezé Macedo, Violeta Ferraz e tantos outros mais. Até que chegamos ao reinado de Chico Anysio e Jô Soares, sucessores de notável talento da velha guarda e que ainda podem ser vistos em programas retrospectivos.
Lúcio era herdeiro dessa magnífica escola de comediantes de caráter histriônico, muitos de origem circense e que geralmente nos faziam rir através do gesto, da expressão corporal que nos remetia ao cinema mudo, obviamente chapliniano. Com a morte de Lúcio Mauro perdemos um dos últimos remanescentes de uma geração que teve a enorme responsabilidade de manter viva a tradição cômica da cena brasileira, como manifestação cultural da própria natureza moleque do brasileiro comum. Agora não dá mais. Perdemos a graça por completo, atropelados que fomos por uma realidade de muitos dramas e tantas tragédias.