A COR DE ROMA
Por Victor Loureiro
Roma tem cor de romã. Suas paredes contam histórias que tropeçam em peças, ornamentos, frestas, vigas. As árvores da cidade chamam minha atenção desde quando ia ao cinema com meu pai ver Roma na tela, enquanto cenário vivo dos filmes épicos. Os pinus domésticos, típicos da região do Mediterrâneo, parecem uma pintura real feita com a tinta de nossas retinas. Para completar essa pintura, lembro dos soldados romanos, com suas capas vermelhas, seus elmos de bronze e suas cristas, também, vermelhas, e volto a povoar meu imaginário que, desde então, provoca emoções e lembranças que morrerão comigo.
Se o tema é pintura, como não evocar a Capela Sistina e suas provocações sensoriais? Inesquecível é a experiência de entrar neste local sagrado, sentar em seus bancos laterais que acompanham as paredes e admirar, com os olhos virados para cima, os afrescos de Michelangelo, no teto da Capela. Cada um dos detalhes ali presentes preenche a sua, a nossa existência não pelo simples fato de ser obra de um dos maiores artistas que a humanidade já produziu, mas por denunciar uma Arte que aproxima o homem de Deus. Um quase toque no impossível, através dos dedos de Adão e de Deus, que por não se tocarem, amplia a sensação de que, às vezes, uma obra de arte, que é um produto humano, é capaz de tocar com mais propriedade o coração dos homens, atingi-los com mais emoção do que os próprios Papas, que ali transitam por tanto tempo, foram capazes de fazer.
Pode até parecer heresia ou atrevimento, mas, sinceramente, gostaria de me aproximar de Deus (mesmo não acreditando muito nele!) com versos que recriassem sentimentos, formas e ritmos capazes de transportar humanos ao seu início bíblico, ao seu princípio estético, aos seus suspiros primários, suas intenções de caverna, seus sonhos inconscientes.
Volto à Capela Sistina, onde os profetas rodeiam a cena central, pintada no início do século XVI, e que representa o episódio do livro do Gênesis, quando Deus cria o homem. Mesmo que Adão não tenha existido, ali ele existe mais do que eu, mais do que qualquer um que o admira com os olhos fixos e apaixonados.
Confesso que chorei quando vi Deus utilizando a Arte para conversar com o homem de forma tão plena, leve, intensa e bela. E, nesse exato momento, lembrei-me de um fato que ocorreu ao meu lado, aqui no hemisfério sul, em Ouro Preto, quando dois turistas franceses começaram a chorar copiosamente em frente ao Cristo Flagelado de Aleijadinho. Outro tempo, outro espaço, outro artista raro que conseguiu abrir tanto os olhos de suas esculturas a ponto de fazê-los ver mais do que ele próprio conseguia. Como se as esculturas pudessem retratar o olhar do artista sobre a vida de uma Capital Colonial tão violentamente oprimida pelos algozes da Corte Imperial.
O mundo real e cruel para esses artistas era um impulso para se alcançar o sonho de um mundo melhor, que existe dentro de cada um de nós. Talvez esse seja o propósito maior da Arte, ela que não serve para nada, apenas para nos aproximar de Deus ou do sentimento capaz de recriá-lo. Viva a Arte!