ROBINSON AZEREDO, O CORREIO DA LAVOURA - Correio da Lavoura

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18 de jun. de 2020

ROBINSON AZEREDO, O CORREIO DA LAVOURA

2020 - Ano do Patrimônio Cultural


POR LEANDRO MIRANDA 

“O ano é de 1920 e na estação de trem de Nova Iguaçu o grande relógio marca a hora de 6h da manhã. Um agente da ferrovia pergunta ao jovem que ali espera o trem: “Qual é o seu nome?”, ao que o jovem responde: “Silvino Azeredo!” O agente continua sua investigação: “Você trabalha onde? Ao que o jovem volta a responder: “No Correio... no Correio da Lavoura!”. 

Dessa forma o jornal seguia seu caminho para dar a notícia a todos em meio a gigantesca plantação de laranjas que compunha toda a Baixada Fluminense. Seguia para as mãos dos Barones, dos Vaz Teixeira, dos Victorinos, dos Guinle, que eram os grandes produtores e exportadores de laranjas. Mas também seguia pelo trem, de estação em estação até Paracambi, e dessas seguiam por carroças, cavalos, mulas e em alguns poucos calhambeques para chegar às mãos de Dona Lica, esposa de Seu Nonô no pé do morro agudo; na casa de seu Manuel, lá bem longe em meio a estradas de terra, esposo de Dona Betinha, na rua do mata cachorro junto à fábrica de tecidos de Paracambi, que por lá se falava que havia pertencido à Princesa Isabel. 

E assim seguia o Correio da Lavoura em sua missão de dar a notícia e unificar uma região espalhada em meios aos laranjais.”

Isso parece o início de uma grande história que poderia estar escrito em um grande best-seller, ou fazendo parte do início de um filme de longa-metragem dirigido por um bom diretor de cinema, ou fazendo parte de alguma série de TV. Mas falarei disso mais adiante. 

Quando fiz um quadro retratando a imagem acima que foi retirada de um antigo rótulo de laranjas - talvez a única arte que sobrou do período glorioso que ainda é o símbolo de nosso município - o anjo voando sobre uma plantação de laranjas anunciando uma alvorada, um novo dia, despertando a todos para um novo amanhecer, me pareceu ser um símbolo claro cultural nosso. Eu o via como um paralelo com o jornal Correio da Lavoura. Sabe aquele costume que temos de comprar o jornal pela manhã, ou de acordar e o jornal já está em nossa porta, como algo que já anuncia o novo dia, contando o que aconteceu no dia anterior e anunciando o que irá acontecer no dia seguinte. Eu ainda não conhecia quem eram os donos ou quem trabalhava nesse jornal. 


Até que, junto com a Diocese de Nova Iguaçu, trouxemos a exposição “O Papa Sorriu – Caricaturas de Francisco” para ajudar a promover o projeto de criação do Museu de Arte Sacra Diocesano. Foi quando estive pela primeira vez no Correio da Lavoura e conheci o Robinson Azeredo, que muito gentilmente me atendeu e nos deu espaço para a divulgação de tal evento. 

E quem conheceu onde era o jornal, próximo onde era o Esporte Clube Iguaçu, via a realidade do que era o Correio da Lavoura, suas dificuldades espaciais e logo se percebia o quanto era (ou é) difícil fazer notícia, sem um grande empreendedor financeiro por trás, e levá-la através de um jornal que trás na sua história e marca o nome Correio da Lavoura. Que, além de tudo, relutava em aceitar o novo tempo da era digital, enfim, a preocupação do Robinson era se o jornal iria continuar ou estaria no seu fim. 

Quando comecei a fazer os presépios da Catedral de Santo Antônio, sempre buscando fazer dele uma relação com o projeto do museu, me propus mexer com a história de nossa região e coloquei de fundo infinito do trabalho, a mesma alvorada com o anjo tocando trombeta da ilustração acima, como quem, através do presépio e do projeto do museu, anunciava um novo tempo, uma novo momento para a cidade e município. Ao mesmo tempo fazendo um resgate histórico de um período glorioso de nosso município e, também, trazendo a Vila de Iguassú para dentro disso que, junto com as esculturas sacras, representava um momento histórico de algo bom que estaria nascendo para nós. E tudo isso mexia com a história, como nossa terra, com o que somos. Eu olhava para aquele anjo voando como quem trazia o anúncio de um novo tempo, uma boa notícia de um novo dia e me vinha à mente o jornal Correio da Lavoura. 

E, embora o trabalho falasse puramente de um resgate histórico, eu sou um homem contemporâneo e atual que estava removendo, investigando, remexendo, revisitando, revendo a história que falava de uma época puramente agricultural do Brasil. E tinha lógica, por esse tempo, ter um jornal com o nome de Correio da Lavoura, mas ao mesmo tempo, eu era esse homem atual que estava mexendo na história de nossa terra, como quem estava plantando uma boa semente para vê-la nascer, crescer e dar frutos. Enquanto pensava em voltar ao Correio da lavoura para pedir um espaço para fazer a divulgação do trabalho. 

E fazendo isso, é que pude perceber o que representava no mundo atual e contemporâneo da era digital, o verdadeiro sentido do nome “Correio da Lavoura” e o porquê ele continua ainda atuante 103 anos depois. Entendi que a lavoura somos nós iguaçuanos que, atemporalmente, nascemos e crescemos da terra, e por aqui trabalhamos nela, como quem planta e colhe, seja cultura, seja arte, seja agricultura, seja metalurgia, sejam produtos de cosméticos, seja moda, sejam produtos alimentícios, produtos de restaurantes, de hotelaria, de lojas festivas, da mídia e comunicação, das clínicas médicas e hospitalares e por ai vai. Enfim, essa lavoura hoje somos nós que plantamos e colhemos dos frutos de nossa terra, na esperança, sempre, de uma colheita mais abundante e comercial. 

Então, o Correio da Lavoura, não é como um jornal de 103 anos que se apresenta como um velhinho com uma bengala andando com dificuldade, não! Porque ele continua a ser atual e contemporâneo, cumprindo seu papel de informar a sociedade a seu próprio respeito, suas problemáticas e soluções. E é muito bom ter um patrimônio como o Correio da Lavoura que agora age, também, como um “correio nas lavouras digitais”. 

Em um outro momento, na missa de centenário do jornal na Catedral de Santo Antônio, em 2017, eu, como um representante da Comissão para os Bens Culturais da Diocese Iguaçuana, perguntei ao Robinson se ele nos daria um espaço em seu jornal para divulgar a exposição sobre a vida de Madre Teresa de Calcutá. E uma das propostas de trazer essa exposição para a Baixada Fluminense, era a de trazer para junto de nós um exemplo de alguém que se doou em prol do bem comum, que não olhou para si mesmo, mas olhou para os problemas do mundo e os desafiou tomando a atitude de querer resolvê-los para melhorar esse mundo. O exemplo de uma mulher que resolveu renunciar a tudo em prol de uma missão, de um compromisso com seu mistério interior, consigo mesma, com a sociedade em que ela vivia e na sua pequenez ela conseguiu ser grande sem se preocupar se seus gestos iriam ou não mudar alguma coisa. Fez o que fez por assumir aquilo que se sentiu impelida a fazer e encontrou ali o seu amor pela vida, o seu sentido de existência e, mesmo em momentos de muitas dificuldades, não abandonou sua missão, deixando um exemplo para o mundo contemporâneo. 

Gentilmente o Correio da Lavoura nos cedeu um espaço de divulgação para a exposição e, em seguida, eu soube de algumas dificuldades que o jornal estava passando, correndo o risco de acabar. Na época cheguei a fazer uma campanha pelo Facebook para que todos pudessem fazer assinaturas do jornal e conseguir anunciantes - talvez outros também tenham feito o mesmo - porque eu entendi que um patrimônio desses é uma responsabilidade de todos, porque cabe a nós querer ou não ter e continuar a mantê-lo no meio de nós. Mas o fato é que isso mostrava uma dificuldade e que, em sua história centenária, provavelmente tudo foi sempre feito com muitos limites, mas com muito trabalho e labuta para não deixar morrer o jornal. 

E da mesma forma, eu passei a ver a missão do Robinson e de sua equipe de trabalho para manter o Correio da Lavoura, como uma missão. Como pessoas que amam e têm prazer no que fazem e se desdobram para solucionar os problemas que aparecem, mas sem deixar de cumprir com seus compromissos sociais de dar a notícia para todos. E passei a ver o Robinson como um homem que trazia esse compromisso, essa missão na Baixada Fluminense, que sua preocupação maior não era a de esmorecer ante as dificuldades, mas o de exercer a sua missão com dignidade, com senso de justiça, com imparcialidade, com respeito e com um espaço democrático. Mantendo a integridade do jornal dentro de valores que com certeza recebeu de seu pai, com garra, perseverança, compromisso social, com verdade, vontade de trabalhar e fazer o melhor, como pode. 

É inegável que o Robinson deixa para nossa região e sociedade um legado importantíssimo, que é o registro do ponto de vista do jornalismo/informativo, de 103 anos do que fomos e somos como Nova Iguaçu e Baixada Fluminense. O Correio da Lavoura nasce praticamente junto coma mudança de nome de Maxambomba para Nova Iguaçu, então ele guarda em seus arquivos toda a nossa história enquanto Nova Iguaçu. Robinson Azeredo nos deixa como herança e legado um acervo riquíssimo de informação, de história, de cultura, de política, de agricultura, de meio ambiente, de história policial, de violência, de fundação de instituições de ensino, de educação, de transporte, de vida em sociedade, de justiças e injustiças, de lazer, de personalidades, de turismo, de segurança, de transporte, de esporte, de desenvolvimento social e urbano, de propaganda, de charges e etc, etc. Isso é um acúmulo de registro e informações importantíssimas para a história de nossa região. Acredito sinceramente que, através dos meios legais de preservação patrimonial desse porte, algum empresário patrocinador possa se interessar em querer preservar tal patrimônio para o bem de todos, principalmente para os estudantes, historiadores, pesquisadores, jornalistas, políticos e demais interessados em conhecer mais profundamente a nossa história. 

Como um homem da cultura e da arte, também conheço as dificuldades na Baixada Fluminense de manter de pé o que faço, da mesma forma que vejo a dificuldade de pessoas que fazem notícia em nossa região. Tenho absoluta certeza que valores plantados no exemplo do se dar, se doar, do gostar e sentir prazer no que se faz, de amar a vida por que ela lhe propõem fazer aquilo que lhe complete, sem deixar que a chama se apague - e aí já não importa mais as dificuldades, afinal de contas, quem não as enfrenta? - na certeza de que tudo vai dar frutos bons. Porque são esses valores que realmente formam os pilares, os alicerces de coisas positivas, que valem à pena e de fato plantam sementes que fazem crescer e amadurecer uma sociedade mais justa, consciente e digna. E tenho certeza que vamos ver nossa sociedade iguaçuana como um todo valorizando esses pilares, que formarão o frontão da sociedade que queremos ser. Deixando cair as máscaras da hipocrisia da fantasia financeira, das falsas aparências plantadas muitas vezes pela mídia “imidiática”, da falsa aparência emergente geralmente feita de aglomerados, mdf’s e porcelanatos; e olhar para aquilo que realmente importa e tem valor, que tem significado, tem substância, tem profundidade e que de fato solidifica nossas pisaduras, nossos degraus e patamares que nos fazem seguir para cima. 

Tenho certeza de que um dia, quando nossa sociedade de fato valorizar esses pilares sociais, formados pela nossa essência, pela nossa verdade, pelo nosso auto retrato e pelo que somos de fato, então, através dessa consciência passaremos a ver escrito em algum best-seller, num grande filme de longa metragem, ou numa serie de TV, histórias como a que comecei ao escrever esse texto. Como num romance nostálgico com um jornalista que ainda trabalhava com letras feitas de chumbo para imprimir cada página do jornal e espalhar seu ideal por toda uma região. 

É lamentável perder o Robinson Azeredo, mas esse é um momento em que todos nós um dia seremos protagonistas, não sabemos quando nem onde, mas que bom que ele pode ver sua lavoura dar frutos em sua família, nas mídias digitais, no meio de seus amigos e na cidade onde ele viveu. O Robinson Azeredo merece de nós um forte e grande aplauso por tudo o que fez e representou. Grandes histórias não são feitas somente por grandes homens famosos e poderosos, por grandes contas bancárias de pessoas arquimilionárias, por grandes heróis militares em meio as lutas nas guerras, não! Grandes histórias também são escritas por pessoas simples, que creditam em si mesmas, em suas missões de amor, de compromisso e perseverança. E que bom que Nova Iguaçu tem mais essa boa história para contar e ter como exemplo.