Vicente Loureiro
Essa é a impressão causada pelo esforço despendido, por boa parte dos municípios brasileiros com mais de 20 mil habitantes, ao promoverem a revisão decenal de seus planos diretores. Tendo virado obrigatória a partir da Constituição de 88 e regulamentada pelo Estatuto da Cidade em 2001, esse exame cuidadoso ou nova leitura da lei que estabelece as formas e modos de orientar o desenvolvimento urbano das cidades é a oportunidade de corrigir o rumo das diretrizes consagradas e as possíveis falhas ou omissões do plano em vigor.
Para que essa tarefa seja realizada com um mínimo de segurança e precisão, seria necessário que o uso, a produção e reprodução dos elementos concretos da vida urbana, como o estoque imobiliário, as infraestruturas, os equipamentos públicos, etc., pudessem ser mensurados com alguma regularidade e localizados no território. De modo a se saber de fato, como e para onde a cidade está se expandindo ou sendo adensada? Onde falta infraestrutura básica ou a oferta dela é maior que a demanda? Em que direção sopram os ventos do crescimento urbano? E onde, por essa ou aquela razão, ele ficou estagnado e nada aconteceu? São apenas algumas perguntas chaves cuja a tal revisão deveria responder o mais corretamente possível.
Essas e outras são questões centrais para se saber o que deve ser incentivado, o que precisa ser contido, ou mesmo congelado, no processo de transformação permanente e inexorável vivido pelas cidades. São informações específicas para além daquelas fornecidas pelo Censo Demográfico do IBGE. Se fazem úteis não só para interpretação do que se sucede nas áreas formais da estrutura urbana, mas também e, principalmente, naquelas consideradas informais, abrangendo favelas, loteamentos irregulares e clandestinos, ocupações, etc. Não se tem o hábito de produzir esse tipo de informações na quase totalidade dos municípios. Costuma-se aferir e dimensionar os fatos urbanos ocorridos muito mais através do “feeling” dos técnicos e pessoal envolvido do que por dados e informações medidas, confirmadas e mapeadas correta e rotineiramente pelas prefeituras, universidades, ong’s ou quem quer que seja.
Mas o problema da falta de efetividade da maioria dos planos diretores municipais vai além da compreensão equivocada ou simplória dos fenômenos e desafios urbanos presentes nas cidades. Quase nunca se vê neles seus principais objetivos e diretrizes transformados em metas quantificáveis e amarradas no tempo. Tão pouco costuma fazer parte deles, um sistema de indicadores capaz de avaliar, de quando em vez, o nível de cumprimento dos rumos traçados para cidade. Nem o quanto foi atingido das metas estabelecidas, o quanto não foi e quais seriam os desvios de rota a serem corrigidos ou quais os desafios novos a serem incorporados quando das suas atualizações regulamentares. Talvez resida no dimensionamento quantitativo, o que se deve e como se deve promover o desenvolvimento integrado e inclusivo das cidades, a chance de tornar os planos diretores mais confiáveis e respeitados pelos governos, pelos agentes produtores da cidade e pelos cidadãos, cujo bem-estar e qualidade de vida devem ser o objetivo principal dessa peça mãe do planejamento municipal.
Para assegurar de fato o cumprimento das diretrizes traçadas e de suas metas, é importante também que elas sejam incorporadas aos planos plurianuais dos governos locais (PPAs) e suas ações contempladas nos orçamentos municipais de cada ano. Mais do que definir o que deve ser feito, onde se pretende chegar e que impactos as medidas preconizadas terão na vida das pessoas e na forma das cidades, torna-se imperioso estabelecer de onde virão os recursos e, em que medida, serão usados na consecução de cada objetivo estabelecido. Quem sabe assim, as cidades não só tenham um norte para onde ir, mas como chegarão concretamente ao destino sonhado. Planos sem metas, sem recursos definidos e sem monitoramento não passam de meras cartas de intenções. Não vingarão.
*Vicente Loureiro é arquiteto e urbanista.