Vicente Loureiro
Existem projetos que, mesmo parecendo importantes e exequíveis, nunca saíram do papel ou quando, raramente viraram realidade, consumiram a esperança de seguidas gerações. Com o passar do tempo eles costumam virar uma espécie de Lenda Urbana. Quase ninguém acredita na sua concretização apesar de guardarem sempre alguma verossimilhança. Acontecem, penso eu, em todas as cidades, mas os casos mais emblemáticos precisam da escala das metrópoles para, quando não vingarem, conseguirem atingir uma existência eternizada na memória e nos sonhos dos que nele puseram fé e, muitas vezes, até dinheiro.
Uma dessas lendas surgiu, há quase 70 anos, com a necessidade de se construir um autódromo no Rio de Janeiro, pois as corridas de rua no circuito da Gávea, do Maracanã e da Ilha do Fundão, entre outros, foram ficando impraticáveis, sendo inclusive proibidas. Surgiram alternativas inicialmente dentro dos limites do então Distrito Federal: Deodoro, Santíssimo e Baixada de Jacarepaguá. Mas uma outra nasceu em Nova Iguaçu, na localidade de Adrianópolis, e que, por pelo menos uma década, foi considerada como a futura sede do sonhado autódromo, capaz de receber provas nacionais e internacionais de automobilismo. Fruto de uma operação consorciada entre o proprietário da área de 6 km quadrados, tamanho de Copacabana, e o então Automóvel Clube do Brasil fez a viabilidade técnica e financeira do empreendimento parecer factível.
O entusiasmo era grande, assim como os objetivos da iniciativa. Ao já famoso arquiteto Sérgio Bernardes, que gostava de participar de corridas de automóveis, foi encomendado o projeto. Nas suas palavras esse “seria o autódromo mais bonito do mundo”, assentado numa área com topografia magnífica e cercado por densa vegetação teria duas pistas, cinco ou seis circuitos, capacidade para receber até 200 mil pessoas. Além de hotel, restaurantes e uma Sede Campestre do Automóvel Clube do Brasil. Para financiar a implantação do autódromo, que ocuparia cerca de um milhão de m2, no restante da área doada ao Clube seria implantada a Vila Automóvel Clube. E o resultado da venda dos lotes previstos, remuneraria o proprietário/doador, custearia as obras de urbanização do loteamento e de implantação do autódromo. Previa-se, inclusive, lotes para atividades comerciais e industriais. Anúncios e matérias veiculadas em jornais da época, meados dos anos 50 do século passado, falavam de uma nova cidade surgindo tal a magnitude da incorporação imobiliária.
O negócio micou. Apesar do autódromo ter sido oficiosamente inaugurado, ainda com as pistas não pavimentadas, para uma corrida de carros contra o relógio e não adversários. Governadores, prefeitos e outras autoridades estiveram no local para anunciar obras da estrada ligando o empreendimento à Rodovia Presidente Dutra e outras melhorias que nunca saíram do papel. Os lotes foram vendidos e ocupados, mas o resultado das vendas não foi usado nem para urbanizar o bairro e, nem sequer, na pavimentação da pista já aberta. Dá para imaginar as controvérsias e o disse me disse que a operação fracassada gerou entre os envolvidos diretamente e naqueles que acreditaram nas reiteradas promessas de ver os ases internacionais do volante, que ainda não eram chamados de pilotos, disputarem o Grande Prêmio de Automobilismo do Rio de Janeiro ali em Adrianópolis.
De concreto, ficaram os “pegas” clandestinos realizados regularmente no circuito, até início dos anos 80, com acidentes memoráveis, como o dos carros de uma bateria que, ao enfrentarem a poeira levantada pelo bólido que a liderava, não enxergaram um seu erro e numa curva foram levados todos, literalmente, para o brejo vizinho a pista Felizmente sem nenhum ferido. Estão lá também, até hoje, os logradouros com nome de automóveis nascidos do loteamento original. É possível ainda encontrar as avenidas Ferrari e Fuscão e as ruas Belina, Corcel, Chevette, Opala, Camaro, entre outras. Recentemente, depois da tentativa de implantar um autódromo em Deodoro fazer água, o sonho de Adrianópolis volta como se nunca tivesse virado pesadelo. Não se sabe ao certo como as lendas urbanas nascem, tem-se apenas certeza que nunca acabam.
*Vicente Loureiro é arquiteto e urbanista.