Vicente Loureiro
Dia 10 de julho próximo faz 20 anos da aprovação da Lei Federal nº 10257/2001: o Estatuto da Cidade. Há muito o que comemorar, mas também não faltam lamentos a sua implementação tão lenta e capenga. Costuma-se classificar nossas leis nas categorias daquelas que pegam e das que não pegam. Creio existir uma outra família de regras, as que demoram a pegar. E esse parece ser o caso desta lei, instituída depois de longa tramitação no Congresso Nacional, mais de 10 anos, com o objetivo de regulamentar o capítulo da Política Urbana da Constituição de 1988. Na verdade, uma bandeira da reforma urbana levantada há mais de meio século pelo Instituto de Arquitetos do Brasil, dentre outras instituições.
Percebe-se o quanto é lento e árduo o aperfeiçoamento dos instrumentos legais e, principalmente, a sua implementação no Brasil, além denunciar uma falta de clareza do horizonte onde queremos chegar enquanto país e, no caso, como cidade. Põe a nu a resiliência da nossa elite em compreender que só a justa distribuição dos benefícios e ônus, decorrentes do processo de urbanização das cidades, poderão recuperar grande parcela da valorização imobiliária decorrente dos investimentos em infraestrutura e equipamentos sociais financiados pelos impostos pagos por todos. As ferramentas trazidas pelo Estatuto que deveriam contribuir para o fortalecimento da capacidade de redistribuir, de modo mais equânime, bens, serviços e oportunidades urbanas foram menos implementadas nessas duas décadas de vigência da lei.
Apesar de ainda persistirem, na maioria das cidades, a predominância da urbanização de risco, com seguidas e ainda incontroláveis expansões de seus territórios urbanos, não se pode atribuir a não implementação efetiva dos instrumentos previstos no Estatuto a responsabilidade única pela reprodução desse modelo de desenvolvimento, calcado numa ordem econômica excludente e precária, cuja materialização dos impactos concretos nascem e crescem, a vista de todos, nos assentamentos irregulares postos à margem ou na periferia das áreas urbanas formais e infraestruturadas.
É preciso ter em conta e celebrar os avanços ocorridos, para evitar retrocessos e animar a implementação, ainda que tardia, de outras proposituras estratégicas desse marco legal da política de desenvolvimento urbano nacional. Focando, se possível, naquelas capazes de fazer cumprir, mais rapidamente possível, a função social da cidade e da propriedade urbana, para passarmos da fase da busca do direito à cidade para o acesso a ela, efetivo, universalizado e sem deixar ninguém para trás.
Inegável os avanços consagrados no planejamento do desenvolvimento urbano das cidades. A obrigatoriedade de elaborarem seus Planos Diretores, ainda que não tenham sido muito seguidos pelos governos municipais, consolidou uma tentativa robusta de se definir em lei, o que se desejava para cada uma delas. Algumas vezes contando com decisiva participação da sociedade civil. Já agora iniciando a segunda revisão decenal, a maioria dos planos começam a estabelecer mecanismos mais efetivos de comprometimento das receitas orçamentárias locais na implementação das diretrizes traçadas. Certamente, os planos viverão, em futuro próximo, uma fase de maior concretização das ações preconizadas. Sem dúvida, um legado do Estatuto da Cidade.
Um desafio, ainda por vencer, é o da implementação dos chamados instrumentos de indução do desenvolvimento urbano previstos na lei. Tanto os relativos ao combate a ociosidade e mau uso dos imóveis urbanos, como o seu parcelamento, edificação e utilização compulsória, o IPTU progressivo no tempo e a desapropriação com títulos da dívida pública, entre outros. E também aqueles destinados a recuperar a valorização imobiliária, fruto das melhorias promovidas pelo poder público, como a outorga onerosa do direito de construir, as operações urbanas consorciadas, etc. Poucas cidades conseguiram, nesses 20 anos de vida do Estatuto, lançar mão dessas ferramentas. Só o tempo e a política poderão promover tais mudanças. Que as demandas concretas e não atendidas sirvam de acelerador.
*Vicente Loureiro é arquiteto e urbanista.