Vicente Loureiro
O IBGE define assentamentos subnormais como “forma de ocupação irregular de terrenos de propriedade alheia – públicos ou privados – para fins de habitação em áreas urbanas e, em geral, caracterizados por um padrão urbanístico irregular, carência de serviços públicos essenciais e localização em áreas com restrição a ocupação”. Podendo também ser chamados de “favelas, invasões, grotas, baixadas, comunidades, vilas, ressacas, loteamentos irregulares, mocambos e palafitas, entre outros”.
Segundo o levantamento “Aglomerados Subnormais: Classificação preliminar e informação de saúde para enfrentamento à Covid-19”, divulgado pelo próprio IBGE em maio deste ano, o número de municípios com favelas existentes no Brasil duplicou nos últimos dez anos. Estando agora presentes em 734 cidades, mais do que o dobro das 326 onde tais assentamentos floresciam em 2010. Eram então 7.329 favelas agora são quase 80% a mais: 13.151. Abrigavam 3,2 milhões de domicílios hoje comportam mais 60%, perto de 5,2 milhões de moradias. Acréscimos impressionantes.
Esse crescimento do número de favelas vem sendo medido desde 1980, quando apenas 1,89% da população viviam nelas, um contingente então de aproximadamente 2,2 milhões de pessoas. Atualmente, cerca de 17 milhões podem estar morando nos tais assentamentos ditos subnormais, equivalendo entre 7 e 8% do total de habitantes do país. No mesmo período, passamos de 120 para 212 milhões de pessoas vivendo por aqui. Um acréscimo de 75%, enquanto os moradores de favelas podem ter passado de sete vezes mais do que os de 1980. Uma expansão muito superior da população favelada do que da população total.
Hoje, 1 em cada 14 domicílios está localizado em favela. Em 2010, era 1 para cada 21. Estima-se, ainda sem precisão adequada, que mais de 40% dos domicílios construídos no Brasil no período tenha sido realizado em comunidades. Se nada for feito para estancar essa escalada, em breve poderemos ter 1 em cada 6 ou 7 domicílios plantado em favela, o que tornará nossas cidades ainda mais injustas e desiguais, com padrões de qualidade de vida média ainda piores do que os atuais. O que mais preocupa é que, nessa mesma década, tivemos o concurso do programa Minha Casa Minha Vida, tentando reduzir o déficit habitacional. Entregando cerca de 4 milhões de habitações graças a um investimento de 230 bilhões de reais, parte consumida em subsídio às famílias de renda mais baixa.
Importante destacar que o grau de favelização é distinto entre regiões e cidades. Algumas, no Norte do país, tem mais domicílios em favelas ou palafitas do que na parte formal ou “normal” de cada uma delas. Mesmo o Rio e São Paulo, no Sudeste, têm percentuais diferentes. Se a capital carioca tivesse a mesma proporção de famílias em favelas do que a paulista teria, provavelmente, menos um terço dos moradores de favelas atuais. E se comparado o percentual de gente vivendo em assentamentos subnormais no Estado do Mato Grosso com o do Rio de Janeiro, toda a população fluminense vivendo neles caberia apenas na Rocinha. Há muitas diferenças, portanto. O que aponta para soluções e metas distintas no enfrentamento do problema Brasil afora.
Níveis discrepantes de desenvolvimento econômico ajudam a explicar as variadas proporções de população favelada entre cidades. Mas há outros fatores próprios de políticas locais que podem também fazer a diferença. Mas não podemos deixar de apontar a recessão de 2015/2016, com redução do PIB em mais de 7%, seguida de prolongada crise fiscal agravada pela pandemia e por um crescimento pífio da economia, o já consagrado PIBINHO, embaralhados por um modelo obsceno de concentração de renda e oportunidades como as causas fundamentais de produzirmos cidades com bordas tão precarizadas e informais. Onde segregação espacial e desigualdade urbanística estão cada vez mais presentes, podendo, em breve, fazer o IBGE tirar o substantivo SUB, designativo de inferioridade, do lado do adjetivo normal, aquele que segue a norma, por reconhecer que aquilo que era exceção pode estar virando a regra. Infelizmente.
*Vicente Loureiro é arquiteto e urbanista.