Vicente Loureiro
Vivemos uma situação no financiamento dos transportes públicos, principalmente nos de alta capacidade, de esgotamento do modelo da tarifa como sendo fonte principal e, por vezes, a única para o custeio das despesas fixas e variáveis praticadas no curso das operações. Em síntese, as tarifas não remuneram os custos dos serviços e parte da população já não consegue mais pagar por elas. E o pior, os que ainda podem pagar já estão optando por aplicativos do tipo Uber em caso de trajetos curtos.
Esperar exclusivamente do poder público, via subsídios crescentes, a solução para tal impasse é ilusório, além de insustentável. Pode haver casos de exceção, mas longe estão de ser a regra e muito menos benchmarking a ser seguido. A crise econômica, agravada pela pandemia, põe freio e limite nessas possibilidades paternalistas. Além de trazerem complicadores novos a questão como as mudanças de hábitos aceleradas na quarentena, através do crescimento expressivo do e-commerce e do trabalho remoto. Olhando para frente, não se deve desconsiderar um cenário de tarifas ainda mais altas, turbinadas pela inflação, com demandas decrescentes por conta do desemprego e empobrecimento da população. Exigindo mais subsídios do poder público que não tem mais como sustentá-los. O que fazer?
Apenas a título de estimular o debate, socorro-me de teses defendidas por especialistas, faz algum tempo, em congressos e artigos técnicos. Uma delas, propõe tratar a infraestrutura de transporte de massa como equipamento urbano a serviço de toda a cidade. Financiada por todos, inclusive pelos que não a utilizam. Substituindo a tarifa por uma taxa de transporte universalizada. As perdas causadas pela pandemia nos sistemas de transportes impõem a retomada mais objetiva e urgente dessa discussão.
Outra tese que merece também ser levada em conta é a que trata da obtenção de receitas acessórias e adicionais, colaborando para o equilíbrio dos contratos de concessão dos serviços de transportes. Por aqui, acostumou-se a considerá-las residuais e difíceis de serem apuradas. No entanto, há exemplos mundo afora onde elas representam parte significativa na sustentação e aperfeiçoamento dos serviços. Falo de uma mudança de atitude, tanto das concessionárias quanto do poder público, em relação à captação de tais recursos. É imprescindível que os contratos ultrapassem os muros e limites da concessão e que dialoguem com as cidades a que servem. Reconhecendo a atratividade exercida, por exemplo, por algumas estações para atividades comerciais e de serviços, o que poderiam ser a elas incorporadas, oferecendo mais conforto aos passageiros e tirando partido do movimento de travessia de pedestres tão comuns nesses pontos nevrálgicos e dinâmicos das cidades.
Outra hipótese, é a recomendada pela metodologia DOT (Desenvolvimento Orientado pelo Transporte), que deveria também ser considerada e sua implantação coordenadas pelas concessionárias e pelo poder concedente em articulação com os municípios, empresas de transportes e empreendedores imobiliários locais, entre outros. Esperar que partam deles esforços no sentido de promover integração operacional, física e tarifária ao redor das estações ferroviárias ou metroviárias é o mesmo que esperar que “o rabo abane o cachorro”. Cabe aos sistemas de transportes, estruturantes do desenvolvimento urbano, e aos responsáveis pela implementação de políticas públicas de dimensão mais do que local, a responsabilidade de provocar tais inovações. Acreditar na eficácia do binômio: tarifa + subsídio como solução única para a equação de sustentabilidade de sistemas tão custosos quanto indispensáveis as cidades é apostar na perda cumulativa de sua eficiência e de seu poder como indutor de um processo de desenvolvimento mais harmônico e inclusivo.
*Vicente Loureiro é arquiteto e urbanista.