Vicente Loureiro
Documento elaborado pela Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) e datado de 2018, apontava o aumento da demanda por alimentos e energia, o envelhecimento da população, as deficiências das cidades, os gargalos de infraestrutura, entre outros, como componentes das tendências de mudanças anunciadas para esta década. Talvez a pandemia tenha embaralhado um pouco este cenário de previsões, não a ponto de, na essência, alterar significativamente suas metas ou potencialidades.
Considerando o crescimento da população com incremento da renda e tendo 2030 como horizonte de tempo, pôde-se aquilatar os impactos de tais transformações sobre as cidades, delineando uma agenda de acontecimentos complementares entre si, mas, muitas das vezes, contraditórios. Lidar com eles exigirá muito diálogo, algum pragmatismo e, sobretudo, maturidade política. Aproveitar as oportunidades e alavancar o desenvolvimento não é tarefa simples. E nem cabe no reducionismo do “assim ou assado”. Haverá lugar para o cozido e, algumas vezes, até para o frito. Mesmo que seja por um determinado período ou para atender uma emergência pontual e inadiável.
A necessidade imperiosa de aumento da produção de alimentos, por exemplo, fará crescer a pressão pelo uso da água. Crises hídricas presentes no sudeste brasileiro, onde se concentram as maiores metrópoles, comprovam o estresse dos recursos disponíveis e a importância de se investir em saneamento básico, visando inclusive o reuso da água e a redução do desperdício na sua captação e distribuição. Da mesma forma, o aumento da demanda por energia faz crescer a busca por fontes renováveis, incluindo o uso de biomassa através do aproveitamento dos resíduos urbanos e industriais. Ganha destaque, nessa perspectiva, o papel do saneamento das cidades no enfrentamento desses desafios.
Já o crescimento das atividades de entretenimento e do turismo, ainda que reduzidas pela pandemia, pressionarão as cidades por mais acomodações e alojamento, instalação de museus, centros culturais e outros equipamentos vinculados a chamada economia criativa. Acredita-se que mudanças no modo de produção devem gerar mais tempo livre aos trabalhadores a serem preenchidos por atividades vinculadas ao lazer e ao entretenimento. Além de promoveram mais eficiência energética com redução das emissões e de rejeitos industriais.
Sendo o Brasil um país essencialmente urbano, suas elevadas taxas de urbanização deverão motivar a busca por tecnologias e sistemas capazes de melhorar os serviços de transporte, trânsito, saneamento, prevenção de acidentes e fornecimento de energia, todos diretamente relacionados à qualidade de vida da população. Seria muito bem-vindo e oportuno que a industrialização da construção civil conseguisse promover redução nos custos da moradia de interesse social, contribuindo para uma reprodução mais inclusiva das cidades.
O envelhecimento da população até 2030, com estimativa de aumento de cerca de 50% no número de idosos, irá catapultar as demandas por serviços, infraestruturas e espaços de lazer. Isso sem falar nas questões ligadas à saúde, educação e segurança pública com significativos impactos na vida dos cidadãos.
Sem dúvida, há muitas mudanças provocadas por tais condutores de transformações com visíveis efeitos sobre as cidades. Fica claro também a estratosférica dimensão dos investimentos a serem realizados, alguns inadiáveis. O Estado brasileiro não tem se mostrado capaz de dar conta de tantos desafios simultâneos. Assim, posturas antagônicas, como a favor ou contra privatizações, estado mínimo ou estado provedor, responsabilidade fiscal ou social na gestão dos recursos públicos, entre outros temas polêmicos, tendem a ficar ainda mais acirrados, sobretudo em ano eleitoral e sob o signo de intensa polarização.
*Vicente Loureiro é arquiteto e urbanista.