Vicente Loureiro
Uma das maiores empresas de consultoria do mundo, a Accenture, declarou recentemente: “os anos 20 do século 21 serão conhecidos como a década da casa”. Reflete uma tendência mundial das pessoas buscarem o encasulamento para proteção contra problemas como a violência, os desastres climáticos, o aumento da desigualdade e a situação política, agravados, em 2020, pela pandemia. Tais incertezas políticas e econômicas e a eco-ansiedade, associadas à revolução tecnológica em curso, têm feito o mundo mudar em ritmo acelerado e inédito. As moradias parecem ter acusado o golpe. Também estão transformando-se. Deixando de ser lugar de refúgio e passando a funcionar como uma espécie de “hub” na vida das pessoas.
Passaram a ser uma espécie de centro de reprodução do cotidiano. A perspectiva, segundo avaliações da WGSN, entidade global especializada em previsão de tendências de consumo, é que, cada vez mais, as atividades de fora serem levadas para dentro das residências, além daquelas funções do lar convencional. Como as do trabalho, as de práticas de exercícios físicos, as de desenvolvimento pessoal e as destinadas ao lazer e entretenimento. Assim, imagina-se que as casas nos próximos anos devem transformar-se em portos seguros, mais confortáveis e aconchegantes, e também acolhedoras aos visitantes físicos ou virtuais.
Pesquisas realizadas pelo Fórum Econômico Global atestam que, em todo o mundo, as pessoas estão passando realmente mais tempo em casa. Os jovens entre 18 e 24 anos chegam até mesmo a passar 70% de seu tempo dentro de um domicílio, que talvez não posso mais ser chamado exclusivamente de residencial. Isso promete causar maior reboliço nos critérios de enquadramento dessas moradias de uso versátil nos parâmetros rígidos das leis municipais de uso e ocupação do solo. Principalmente na hora de conceder alvarás de localização de atividades outras não residenciais. Tenho a impressão que os fatos irão domesticar as leis, sem trocadilho.
Dentre todas as tendências e pesquisas comportamentais recém-anunciadas, uma chama atenção por de certa forma ser uma aparente contradição com o glamour e o luxo das práticas usuais de decoração das casas. Chamada de “hygge”, trata-se de um conceito de origem dinamarquesa que preza pelo conforto e pela simplicidade tendo como objetivo transmitir paz e bem-estar para a rotina das pessoas. Uma outra, a demonstrar que a tendências geram tendências, é que o mundo da moda já se preocupa em apresentar roupas que podem ser usadas em qualquer momento, dentro de casa ou fora dela. Vida nova, casa nova e de roupa nova pelo visto.
Sinalizam também tais exercícios novidadeiros que a jornada presencial de segunda a sexta-feira, das 9 às 17h, tem seus dias contados, gerando a tal de dessincronização social, fenômeno onde as pessoas seguem fazendo o que faziam antes só que em horário e locais diferentes, incluindo as suas próprias moradias. São mudanças já em curso e que servem para reforçar a elevação da residência a endereço de boa parte das nossas vivências nos próximos anos. Isso sem falar na troca da posse pelo uso dos bens, nos avanços da economia compartilhada e na ressignificação dos objetos. Tendências a reforçar que o jeito de morar passa por mudanças aceleradas. Falta concordarmos e nos adaptarmos a elas.
*Vicente Loureiro é arquiteto e urbanista.