Vicente Loureiro
As chuvas carregaram, sabe-se lá para onde, parte de Petrópolis na última terça-feira (15). Foram torrenciais. Choveu em 6 horas o que era esperado para o mês inteiro. O volume colossal de água morro abaixo transformou ruas em rios e rios em ruas. Tudo era água. Veloz e intensa levava o que podia: casas, árvores, postes, carros e, lamentavelmente, vidas, muitas vidas. A cidade viveu momentos de pânico. Sua gente sentiu medo e tristeza.
Alguns negócios que já não vinham bem foram literalmente água abaixo. Um amigo não soube ao certo o que dizer ao ver num vídeo cena de um bar inteiro flutuando. Ora lhe parecia sequência surreal de um filme de Fellini, ora um “trailer” anunciando o fim do mundo. Em um outro vídeo, casas plantadas indevidamente em encostas íngremes, por descasos acumulados com os mais pobres ou com as leis da física, sucumbiam à avalanche de lama. Tijolos e corpos foram soterrados juntos quase como num apocalipse. Seria bíblico se não fosse trágico.
Podia se dizer, até então, que carro não subia em árvore e, parafraseando o ditado, “se está lá, foi enchente ou mão de gente”. Além dos arrastados, empilhados e os virados de ponta cabeça pela enxurrada, um deles subiu numa árvore de fato. Ficou lá a registrar a força e volúpia das águas. Quem sabe uma tola ironia de mais uma tragédia climática.
Como sempre ocorre diante de tantas perdas materiais e de quase uma centena de vidas, até o momento que escrevo este artigo, alguns tentam se redimir de tantas vidas levadas buscando culpados. Os de sempre de preferência. Em contrapartida, uma rede de solidariedade corre para amenizar o desalento dos que perderam tudo ou quase. Não se sabe como ainda guardam esperança de recomeçar. A resiliência dessa gente, acostumada a acumular perdas, comove e faz crer, para além do alento, que merecem sair da condição resignada de ver a fé segurando barranco ou desviando correntezas. A imprevidência não é divina.
O sucesso de cidades mundo a fora no lidar com catástrofes anunciadas e, por vezes, costumeiras, está baseado na adaptação. Sabem que não se livram tão cedo do risco do desastre e, até mesmo, nunca em alguns casos. Resolvem então se adaptar as circunstâncias, preparando-se para proteger ao máximo a vida dos seus habitantes, acionando sistemas de sinais de alerta eficientes, indicando rotas de fuga e ofertando rede de abrigos seguros e predeterminados, todos devidamente provisionados com alimentos, roupas, colchonetes e água. E utilizando-se da solidariedade em direção à prevenção, não mais ao socorro pós-tragédia.
Outras medidas de natureza mitigadora ou de redução efetiva de riscos precisam atravessar governos, devendo ser tratadas como políticas de Estado. Seja quando emprestam estabilidade, segurança e habitabilidade das edificações, seja quando conseguem evitar que os riscos sejam reproduzidos em áreas críticas ainda não ocupadas. Abrigar em condições dignas e estáveis, principalmente os mais pobres, evita a reprodução do modelo que agora fez tantas vítimas e estragos em Petrópolis. Mas ele seguirá sua sina destrutiva se não mudarmos o jeito de fazer cidades que alimentam desastres por não conseguir reduzir a exclusão.
*Vicente Loureiro é arquiteto e urbanista.
Crédito da foto - Portal Folha/UOL