AS DESCONSTRUÇÕES NA CIDADE - Correio da Lavoura

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23 de mar. de 2022

AS DESCONSTRUÇÕES NA CIDADE

Vicente Loureiro

Não só de construções vivem as cidades. Fazem também parte do refazer delas, as desconstruções. Entendidas aqui como as resultantes dos atos de demolir o construído com o objetivo de mudar a função ou uso desta ou daquela edificação cujas atividades, as circunstâncias ou o passar do tempo fizeram exaurir seu motivo de existir. É da essência delas esse jogo tenso entre guardar e sobrepor seus artefatos no correr da história. O antigo e o novo testemunhando longevidade e renovando seu carisma.


Mas não são dessas desconstruções usados no sentido da renovação do espaço urbano que desejo falar. Refiro-me aquelas praticadas para punir as formas Ilegais de expandi-lo ou adensá-lo, como a recente ação realizada pela Secretaria de Ordem Pública (SEOP) da Prefeitura do Rio em conjunto com a Delegacia de Repressão as Ações Criminais (DACRO), que demoliu um edifício de 5 pavimentos com 56 apartamentos e cobertura ainda em construção, porém desprovida de qualquer licenciamento e da devida autorização, absolutamente irregular e ilegalizável, conforme dito pelas autoridades.

Empreendimento, segundo suspeitas, de responsabilidade do crime organizado em área dominada pela milícia, localizada no Recreio dos Bandeirantes. Com um investimento avaliado em 15 milhões de reais e com resultado líquido estimado em, pelo menos, outros 10 milhões. Essas unidades já estavam sendo comercializadas por corretores no local, numa demonstração de que a informalidade na construção civil ganhou escala “empresarial”, deixando de ser prática improvisada e individual comum na produção de abrigos por parte das camadas mais pobres da população. Os apartamentos estavam sendo oferecidos a partir de 300 mil reais de acordo com as informações divulgadas pelos jornais, TVs e redes sociais. O fato incomum “bombou”, afinal é raro por abaixo um edifício considerado ilegal.


Conforme divulgado pela própria Prefeitura, outras 450 ações semelhantes, não do mesmo tamanho, foram promovidas no ano passado e, outras 120, só em 2022. Um visível esforço de reprimir obras irregulares desse tipo que, inclusive, já produziram vítimas fatais não faz muito tempo. Além disso, ajudam a confirmar o apurado pelo Ministério Público e a Polícia, que tais “empreendimentos” têm sido usados para lavar dinheiro das organizações criminosas. Desconstruir seus feitos é uma forma de asfixiar suas finanças, além de ter o papel pedagógico ao demonstrar que, pelo menos, o crime urbanístico não compensa.

É provável que as dimensões dos territórios nascidos informais na geografia da cidade também facilitem e estimulem tais procedimentos. Mas, nem por isso, se deve abrir mão do poder de polícia dos órgãos municipais de controle urbano diante do ilegal, produzido no peito e na raça pelos agentes financiados pelo crime. O desafio é grande e promete ser longo. Talvez lançar mão dos ensinamentos da “teoria da desconstrução” para descobrir ou redescobrir novos significados e verdades desses modos tortos de fazer cidade, pode ser um caminho. Principalmente se a narrativa a desconstruir for a da violência corporificada nesses acintosos edifícios ilegalizáveis.

*Vicente Loureiro é arquiteto e urbanista.