Thiago Rachid
É clichê, mas é verdade que as histórias da cidade e do jornal se confundem. E uma das coisas que a história da cidade contada por estas páginas nos revela é a decadência de Nova Iguaçu ao longo das últimas décadas.
Fundado em 1917, o Correio da Lavoura registrou nos seus primeiros 40 anos a fase áurea da cidade. Uma cidade pioneira, que produzia riqueza com a laranja, que começava a abrigar pequenas indústrias, que abria a cada dia novas casas de comércio e recebia mais e mais prestadores de serviço.
Nova Iguaçu abrigava grandes iniciativas, como festas grandiosas da Laranja, das rainhas da primavera, de Santo Antônio, o surgimento do Country Club e até tivemos uma corrida automobilística (o circuito das cucarachas).
E, hoje, em 2022, o que vemos é uma cidade que não tem rumo, não tem vocação. Comércio apequenado, fechando portas em ritmo frenético. Uma cidade sem líder em qualquer setor.
Essa decadência é resultado da omissão ou da inércia de nossa gente. Vejam vocês, a título de comparação, a diferença entre os indivíduos dos tempos gloriosos com os de nossos tempos.
Em 1917, menos de 30 anos após o fim da escravidão no Brasil, um homem negro fundou um jornal em Nova Iguaçu. Silvino de Azeredo, fundador do Correio da Lavoura, era negro e não era rico.
Agora, imaginem a dificuldade para se criar um jornal em 1917. Conseguir capital para as máquinas, para a sede e para a matéria prima em um tempo em que não havia bancos em Nova Iguaçu. Produzir conteúdo para as edições. Redigir o conteúdo. Vender a publicidade. Distribuir as edições para os jornaleiros. E tudo isso com as dificuldades que tinha um cidadão negro em um país recém-saído da escravidão.
Agora, compare com nosso tempo. Hoje, com um “smartphone”, o sujeito pode ter um site jornalístico. Neste smartphone, que pode ser comprado por qualquer pessoa à prestação, o sujeito pode fotografar, pode redigir a matéria, pode negociar a publicidade, pode publicar a notícia e obter os ganhos comerciais do site.
Em março de 1917, Iguassú tinha um bom jornal – um semanário, na verdade – onde o que acontecia na cidade poderia ser encontrado. Feito por um homem simples em meio a uma montanha de obstáculos.
Em março de 2022, Nova Iguaçu não tem um só portal de notícias da cidade na internet que desempenhe um papel sequer semelhante ao que o Correio da Lavoura desempenhou em 1917 e nas décadas posteriores.
É fácil escrever sobre o Correio da Lavoura todos os anos, porque dessa efeméride sempre há lições e reflexões a serem feitas. Tempos difíceis forjam grandes homens, mas nosso tempo de facilidades e confortos nos acomoda profundamente.
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Em março do ano passado, por ocasião do aniversário do jornal, homenageei o amigo Robinson Belém de Azeredo, saudoso editor-chefe deste Correio, que havia nos deixado no ano anterior e que sempre manteve abertas as portas do jornal para mim.
Neste ano, homenageio aquela que me apresentou o Correio da Lavoura na infância e me habituou à sua leitura desde cedo: minha avó, Dona Leila Rachid, que nos deixou no último mês de agosto.
Robinson e D. Leila, testemunhas apaixonadas da história de Nova Iguaçu, como o Correio da Lavoura.
*Thiago Rachid é advogado e empresário.