RUAS DE MORAR - Correio da Lavoura

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26 de abr. de 2022

RUAS DE MORAR

*Vicente Loureiro

Durante muito tempo ruas exclusivamente residenciais foram as mais valorizadas para o morar. Sossegadas e tranquilas tinham mais apelo e valor. Corre pelo mundo das cidades uma onda de incentivo as vias de uso misto e diversificado, com fachadas ativas e servidas ou conectadas aos transportes públicos. Anunciam mais segurança e comodidade com a cidade literalmente a seus pés.

Porém, há muito casos ainda no extremo oposto. Vias que nunca viraram lugar de morar. Ou por terem expulsado os antigos moradores ou por nunca terem conseguido atraí-los. Razões podem ser várias, resta saber se é possível, e não demorado e custoso reverter situação de certa esterilidade residencial. O caso mais emblemático entre nós talvez seja o da Avenida Presidente Vargas no Rio, uma das maiores do mundo segundo o ufanismo da época de sua criação. Com 4 km de extensão por 80 m de largura, desde sua construção apenas um empreendimento residencial sentou praça nela, o curioso e badalado edifício “Balança mas não cai”.


Passaram- se 70 anos dessa iniciativa pioneira, que na verdade pretendia ser parte de um grupamento habitacional de uso misto bem mais volumoso. Desde então, nunca mais apartamentos foram construídos nos inúmeros terrenos vagos que o processo de urbanização e  lentíssima ocupação da avenida deixou de herança. Nem cinco estações do metrô localizadas em seu subsolo ou imediações foram capazes de alavancar uso residencial por ali. Talvez o modelo de cidade metropolitana com excessiva concentração de oportunidades de trabalho na sua área Central, cujo principal acesso é a Presidente Vargas, seja o grande responsável por tanta rejeição às moradias. Mas certamente não é o único culpado.

As características de desenho da Via, sua pegada excessivamente rodoviarista, apesar de muito bem servida por transportes públicos de alta capacidade, sua estimulada mas nunca completada vocação comercial e de serviços a transformaram num ambiente de passagem onde tudo é fugaz e todos tem pressa. Nela não se costuma  parar,  a não ser para tomar condução. Nessas sete décadas de vida, o que dela gera boas lembranças são os comícios e as passeatas que a fizeram parar e respirar áreas de sonho e desejos coletivos. Não a frieza e  indiferença cotidiana de seus usuários habituais.


Chega agora a um desses lotes vagos há décadas, um empreendimento residencial interessante. Um edifício com 360 apartamentos, piscina no terraço e com metrô na porta de entrada e que está decidido a enfrentar a decadência e a desordem urbana do centro da cidade. Fiando-se nas regras de estímulos urbanísticos do projeto Reviver Centro tem a  coragem de quebrar um paradigma. Acredita que a mobilidade farta, a proximidade de muitos equipamentos culturais e do Campo de Santana entre outras benesses ofertadas pela cidade,  farão dele um caso de sucesso. Fazendo do morar no Centro e na sua Avenida mais movimentada,  um ato do viver urbano  contemporâneo e sustentável. Motivando outros empreendedores a olharem para as oportunidades que a Presidente Vargas, nunca totalmente ocupada, ainda guarda. Quem sabe no futuro próximo, asfalto tão abundante não possa dar lugar a um Boulevard florido e amigável, onde morar além de prático também possa ser muito prazeroso.

*Vicente Loureiro é arquiteto e urbanista.