Vicente Loureiro
Especialistas cunharam a expressão “século das cidades” para dar a dimensão do fenômeno de urbanização acentuada em curso no planeta, cujos impactos tornaram os desafios de uma vasta agenda urbana ainda maiores, com tendência de se apresentarem cada vez mais complexos e em escala jamais vista. Para ser mais preciso, deveríamos chamar esse tempo de “era das metrópoles ou das megacidades”. Indicariam melhor onde o agir é necessário com mais atenção e urgência.
Sempre será o tempo das cidades, pois com frequência algo nelas ocorre a bulir com o cotidiano e a percepção dos seus habitantes. Seja ela um pequeno ajuntamento de casas cortadas por ruas a acabar logo ali ou então um aglomerado de cidades ao redor de uma metrópole, onde não se sabe ao certo onde começa uma e termina outra, parecendo muitas das vezes um lugar sem fim. É esta convicção que empresta síntese a coletânea de crônicas escritas por mim nos últimos três anos e reunidas agora em um livro sobre este título reverencial: “Tempo de Cidade”.
Creio que as cidades são fontes inesgotáveis de assunto em todo mundo. Todos nós vivemos nelas momentos de encantamento, apreensão e, até mesmo, de raiva no exercício do viver urbano. Em umas mais, em outras menos, porém na essência costumamos exaltar qualidades e novidades quando ocorrem e a maldizer defeitos e imperfeições se nos constrangem ou aborrecem. Mas algo costuma estar presente em todas elas: um certo saldo positivo no encontro de contas entre perdas e ganhos. Fruto das oportunidades geradas e renovadas a cada dia. Parece haver um pacto velado entre os seus habitantes, como se falar delas ajudasse a solucionar problemas. Meia catarse com um pouco de racionalização, se é que isso é possível.
Da mesma forma que elas precisam de cuidados e mimos, não vivem sem celebrações e algumas epifanias. Cultivam fatos que levam a inovações, assim como estão sempre a se contorcer em busca de ações e testemunhos de inclusão de seus filhos marginalizados. Nem todas na mesma vibe ou na mesma intensidade em seus propósitos de aperfeiçoamento constante. Impossível encontrar, no entanto, alguma cidade que não esteja a seu modo buscando melhorias. O tempo, mais uma vez ele, pode funcionar como aliado ou algoz. Na maioria das vezes, infelizmente, só ele dirá.
São desses assuntos que o livro trata, ora com otimismo de um exemplo exitoso, ora com o ceticismo de uma tragédia reprisada. Mas sempre falando da cidade como algo vivo, presente e de certo modo marcante na vida de seus habitantes. Sejam eles permanentes, temporários ou em trânsito. Ser carioca, portenho ou alfacinha, por exemplo, não é só obra do acaso biológico, resulta dos modos distintos de se fazer a vida nas cidades. Parece ser assunto inesgotável.
*Vicente Loureiro é arquiteto e urbanista.