CIDADES PRIVADAS - Correio da Lavoura

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27 de jul. de 2022

CIDADES PRIVADAS

*Vicente Loureiro


Na verdade, “charter cities”, um modelo de concessão do espaço público para a iniciativa privada com leis, regras, policiamento, administração e impostos ou tarifas próprias. Um território com autonomia parcial capaz de prover serviços e adotar sistema de governança adequado a uma equação de baixo custo, grande impacto social e que dê lucro. Uma versão privatizada de desenvolvimento urbano.


Lanço mão do ditado castelhano: “yo no creo em brujas, pero que las hay, las hay”, para dizer que cidades “charter” existem e estão espalhadas pelo mundo. Estima-se que sejam mais de 20 delas plantadas em todos os continentes, com dimensões, propósitos e resultados distintos. Quase todas fundadas como Zonas Especiais de Desenvolvimento Econômico ou equivalente. Dotadas de oportunidades e incentivos, mas também de muitas controvérsias e geridas por sistema de governança responsável pela definição e implantação de políticas de forma diferenciada do modelo convencional de governos locais.

Na prática, cidades sob concessão onde o governo delega ao ente privado um território com jurisdição especial. Tendo os tributos, a legislação trabalhista, a justiça, a participação política, as regras urbanísticas e ambientais, entre outras, completamente diferentes daquelas vigentes no seu país de origem. Uma mudança radical de paradigma.


Nesse modelo, o setor privado age como administração local, semelhante ao que ocorre nas cidades-estados, testando novas tecnologias e métodos de governar através de enclaves territoriais com liberdade econômica e política especial. Uma tentativa, segundo os seus defensores, de encontrar novos arranjos institucionais capazes de dar conta dos imensos desafios urbanos presentes nas cidades, sobretudo naquelas localizadas nos países em desenvolvimento.

O paradoxal é que esse modelo surgiu ou ganhou corpo na China. Mais exatamente em Shenzen, declarada Zona Econômica Especial há mais ou menos 40 anos, quando tinha apenas cerca de 30 mil habitantes. As medidas tomadas pelo governo chinês, flexibilizando regras fiscais, econômicas e legais, a transformaram em uma megacidade de mais de 18 milhões de moradores com um PIB per capita estupendo. Acabou servindo de exemplo para outros empreendimentos semelhantes. Segundo alguns analistas, esse modelo é responsável pelo grande salto promovido na economia chinesa nas últimas quatro décadas.


Inspiradas talvez pelo que já ocorria em Hong Kong ou Singapura, as zonas econômicas especiais da China fazem certo contraponto ao modelo de cidade “charter”, pois o governo, no caso, é parte efetiva para não dizer sócio da Cidade Negócio ou do negócio envolvendo cidade. Por aqui, o que mais se aproxima disso é a Zona Franca de Manaus, porém limitada aos incentivos tributários concedidos para atração de empresas. Especula-se que as novas regras para as Zonas de Processamento de Exportação venham no futuro abrigar cidades “charter” no Brasil. Só o tempo, após muitos e calorosos debates, será capaz de dizer.

*Vicente Loureiro é arquiteto, urbanista e escritor.