*Thaíssa da Silva Nunes de Jesus
É bem sabido que a Atenção Primária em Saúde (APS) é pouco explorada no sistema de saúde suplementar, isso porque faltam profissionais qualificados para tal atuação, por consequência do desinteresse na área, e a população, num modo geral, não entende a importância do componente dos sistemas de saúde. A porta de entrada e referência à saúde da população deve ser pela atenção primária, uma vez que, como primeiro acesso, a APS presta atendimento aos pacientes sempre que necessário, seja mediante ao adoecimento, sensação de adoecimento, acompanhamento de doenças crônicas ou rastreamento.
A Atenção Primária em Saúde foi utilizada pela primeira vez no chamado Relatório Dawson, em 1920. Esse documento tornou-se um marco na história da organização dos sistemas de saúde, pois propôs a implantação de um sistema integrado de medicina preventiva e curativa por meio de ações primárias, secundárias e terciárias. O Relatório Dawson está na base do sistema de saúde britânico e inspirou a organização de sistemas de saúde em vários outros países.
No cenário prático das operadoras de planos de saúde, em alguns casos, o que se vê na larga escala, são beneficiários que buscam medicações/procedimentos/métodos de alto custo, que não constam no rol da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), ou que são off label, mas, ainda assim, com o ajuizamento de ações judiciais, alguns juízes deferem, a título de antecipação de tutela, o fornecimento dos fármacos e/ou procedimentos, ainda que não haja previsão contratual, e que não tenha propriamente a medicina baseada em evidências.
O aumento da judicialização tanto contra médicos, tanto contra operadoras de plano de saúde aumentou cerca de 300% nos últimos cinco anos. Este dado é trazido pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Portanto, judicialização deve estar como importante indicador, à vista de que o aumento da sinistralidade, custo das operações, e indenizações judiciais trazem o desequilíbrio econômico financeiro das relações contratuais.
Importante indicar os fatores que influenciam a inflação em saúde, quais sejam:
Epidemiologia: novas doenças e doenças crônicas; Demografia: migração; Envelhecimento da população; Novas tecnologias: medicamentos, equipamentos, etc. Uma vez que, com a implementação da Atenção Primária em Saúde, espera-se que haja, pelo menos, o tratamento e controle de patologias, acompanhamento do quadro clínico e, por conseguinte, redução da sinistralidade.
A melhor hipótese se inclina com atendimento direto e contínuo com um médico da família, registrando em prontuário eletrônico o histórico da saúde do paciente, havendo, principalmente, abordagem com equipe multidisciplinar. Resta cristalino que os esforços têm que estar direcionados à saúde e excelência operacional no cuidado do paciente, buscando um atendimento de qualidade, seguro, respeitando a bioética, equilibrando com os custos e desfechos da operadora de saúde. O paciente, ou beneficiário de um plano de saúde, ou a operadora propriamente dita, tem que estar ciente que cuidar da saúde é menos caro que cuidar da doença.
Para isso, eis um constrangimento epistêmico: seria a atenção primária um ponto importante para redução da judicialização?
*Thaíssa da Silva Nunes de Jesus é gerente jurídica da Unimed Nova Iguaçu; advogada especialista em Direito Médico; mestranda em Ciências Aplicadas em Saúde pela Universidade de Vassouras; pós graduanda em Gestão em Saúde pelo Instituto Israelita Albert Einstein; vice-presidente da Comissão de Direito Médico da OAB Nova Iguaçu/Mesquita.