*Vicente Loureiro
Não se trata de charada ou adivinhação do tipo “o que é, o que é”, mas sim do sistema de transporte metropolitano do Rio de Janeiro. É esta, em esforço de síntese, a mensagem principal da série de reportagens especiais exibidas essa semana pela TV Globo, no tele jornal RJ1. Com objetivo de entender e explicar como barcas, bondes, trens, ônibus, metrô e etc. formataram a Metrópole Fluminense e estabeleceram as condições de mobilidade nela praticadas, com deficiências já consideradas históricas, algumas aparentemente insuperáveis.
O esforço de retirar dos arquivos da emissora reportagens gravadas sobre transportes na região, desde os anos 70 do século passado, e cotejá-las como matérias atuais deixa claro: é preciso muita fé para crer no versículo bíblico “não há mal que sempre dure”. Testemunhos de notáveis especialistas, de representantes de entidades do movimento social e até mesmo de autoridades do setor corroboram o sentimento de impotência. Um deles chega a sugerir “coordenação federal” para pôr ordem no sarapatel organizacional, responsável por fazer dessa metrópole, àquela no Brasil onde as pessoas gastam mais tempo nos seus deslocamentos.
Chama atenção a afirmação de um dos entrevistados, o arquiteto e urbanista Carlos Fernando Andrade: “Não temos um sistema de transporte integrado”. De fato um somatório de linhas, modos, conexões e até mesmo algumas integrações não configuram necessariamente um sistema destinado a gestão da mobilidade. Pois para tal, precisava ser, no mínimo, um organismo formado por partes interligadas e interdependentes, com propósito único e impossível ser atendido por quaisquer das partes isoladamente. O que temos, na verdade, operando na região, parece muito mais algo inspirado na construção da Torre de Babel.
Afinal a governança desse chamado sistema é uma obra de ficção. São 21 municípios gerindo serviços de transporte concedidos de alcance local, somadas as iniciativas do governo estadual fazendo o mesmo na escala regional e também local, como operação do metrô na Cidade do Rio de Janeiro, e o Governo Federal para complicar, cuidando de ativos rodoviários, ferroviários, portuários e aeroportuários, muitos deles com interferência direta na mobilidade metropolitana. Por baixo, duas dúzias de órgãos autônomos, das três esferas de governo, ciosos na defesa de suas competências e atribuições, e arredios a iniciativas de compartilhar poder e interesses governam por aqui, o ir e vir de pessoas e mercadorias, num modelo em que cada um cuida de si, e sabe-se lá quem de todos.
Tivéssemos de fato um sistema, não seria tão difícil promover as desejadas integrações físicas, operacionais, tarifárias e institucionais, de modo a garantir transporte público de qualidade com modicidade tarifária e política de subsídio suportável, a todos os cidadãos metropolitanos. Não é preciso operar milagres e nem empurrar para o futuro volátil as soluções. Basta usar o que já existe para começar a construir a convivência colaborativa e com objetivo comum de todos os atores envolvidos. A Lei Estadual nº 184/2018 estabelece as condições para a governança Metropolitana, definindo as regras do jogo para assuntos de interesse comum como os transportes. Aglutinar vontade de agir em conjunto, competência política e recursos não podem mais seguir sendo um impeditivo inalcançável.
Não será tarefa simples. Porém a notória resistência a mudanças por parte dos componentes do tão falado, mas ainda não visto sistema integrado de transportes metropolitanos, pode aumentar ainda mais sua entropia. Provendo assim o crescimento do grau de desordem interna visível. Seguir investindo sem melhorar a gestão mais que enxugar, fará o gelo derreter mais rápido. Urge compartilhar desafios e traçar metas sinérgicas. O assunto tem pressa!
*Vicente Loureiro é arquiteto, urbanista e escritor.