*Vicente Loureiro
O modo de viver nas cidades brasileiras está passando por transformações significativas, conforme revelado pelo último censo do IBGE e outras pesquisas sobre as condições de oferta e usufruto de moradias nos últimos anos. Tendências apontam para essas mudanças, alimentadas por um déficit habitacional praticamente estável, entre 6 e 7 milhões de unidades, evidenciando um modelo de desenvolvimento urbano excludente e desigual, promotor de “sem teto”.
A primeira alteração importante a ser registrada é a redução pela metade do número médio de pessoas por família. No censo de 1970, eram cinco pessoas por família, e agora estão perto de duas e meia. Enquanto o crescimento demográfico vem diminuindo, com algumas cidades apresentando até perda de população, o número de domicílios aumentou de modo expressivo. Em 1970, tínhamos 90 milhões de habitantes ocupando 18 milhões de domicílios. Hoje, são 203 milhões de pessoas em cerca de 70 milhões de unidades habitacionais.
A população, no período, multiplicou-se por 2,2 vezes, enquanto a quantidade de moradias quadruplicou. Mudanças no comportamento social da população ajudam, em parte, a explicar essa diferença. A adoção do divórcio, o aumento da expectativa de vida e a redução da taxa de natalidade, entre outros fatores, fizeram o crescimento da população subir de escada, cada vez mais devagar, enquanto o número de domicílios viajava de elevador.
Com famílias menores e mais pessoas vivendo sozinhas, incluindo idosos, parece natural que o tamanho das moradias também seja reduzido. Um levantamento feito pelo site Construtor de Vendas, em parceria com a startup Dataland, confirma essa tendência, ao constatar que mais da metade dos imóveis residenciais vendidos no Brasil entre 2020 e 2023 tinham, no máximo, 60 metros quadrados. É provável que o preço dos imóveis, os juros altos e as condições de financiamento tenham puxado para baixo as dimensões das habitações ofertadas.
Outra tendência a ser observada é o aumento da presença de apartamentos em relação às casas nas cidades brasileiras, principalmente nas médias e grandes. De 2000 para cá, o número de apartamentos praticamente triplicou, ultrapassando os 9 milhões, enquanto o de casas cresceu cerca de 50%. A diferença ainda é grande, mas a tendência parece irreversível.
Olhando para o futuro, não é difícil prever que muitas cidades terão mais pessoas vivendo em apartamentos do que em casas, como já acontece em Santos, Balneário Camboriú e São Caetano do Sul. Outros fatores sociais e econômicos podem acelerar as mudanças no jeito de viver e morar. O preço dos aluguéis, o valor da terra e o poder de compra das famílias, entre outros, devem consagrar as moradias menores em cidades mais verticalizadas. A conferir.
*Vicente Loureiro é arquiteto e urbanista, doutorando pela Universidade de Lisboa e autor dos livros “Prosa Urbana” e “Tempo de Cidade”.