*Vicente Loureiro
Há controvérsias. De um lado, estão aqueles a defender que a obrigação de executar e manter as calçadas cabe aos responsáveis pelos imóveis, edificados ou não, lindeiros aos logradouros na extensão de suas testadas e seguindo as normas definidas pela prefeitura. De outro, estão os a advogar que elas devem ser tratadas como vias de uso comum do povo, exclusivas para pedestres, sendo responsabilidade do poder público urbanizá-las e conservá-las.
Polêmicas à parte, é inegável que as calçadas estão longe de serem bem feitas e cuidadas na maioria das cidades brasileiras, nem mesmo em suas áreas centrais. Existem até exemplos de zelo impecável, mas, infelizmente, ainda são casos de exceção. A diferença de tratamento entre o pavimento das ruas e o das calçadas é gritante. Um buraco no asfalto tira votos; já no passeio…
Mundo afora, há exemplos em que o governo municipal cuida de todo o espaço público conformado pelas vias, tanto o destinado à circulação de veículos quanto o segregado para pedestres. Em muitos casos, usam até o mesmo material na pavimentação, separando os dois fluxos apenas com meio-fio ou balizadores. A sensação de poder caminhar sem obstáculos ou sobressaltos é impagável. Gera conforto, segurança e estimula o ato de flanar tranquilamente.
Por aqui, parece que desenvolvemos uma obsessão pelo asfalto liso nas ruas. Outras formas de pavimentação chegam a ser cobertas por ele, mesmo quando mais duráveis e ecologicamente adequadas. Em épocas de eleição, o recapeamento asfáltico costuma ser um reforço extra e muito eficaz na avaliação do governo. Já as calçadas seguem a sina de serem tratadas como terra de ninguém, onde vale tudo ou quase.
Apesar de existir um responsável por cada calçada, cada um faz nela o que bem entende. Concessionárias de energia elétrica instalam postes desalinhados e em qualquer lugar. As de água, esgoto e gás canalizado rasgam o pavimento para obras e reparos, recompondo-o como lhes convém, e pronto. A arborização urbana e a implantação de jardineiras não são ações exclusivas da prefeitura; é comum vê-las posicionadas nas calçadas, de acordo com as mais variadas intenções, muitas vezes em confronto com fios, manilhas e impedindo o livre trânsito de pedestres. Nas calçadas, quase tudo é possível.
Piso nivelado, acessível e pavimentado com material adequado também é exceção. A regra fica ao gosto e conveniência do proprietário. As normas da prefeitura, além de ignoradas na construção das calçadas, raramente são usadas para corrigi-las, tornando-as caminháveis e de uso universal. Isso sem falar na apropriação privatista de algumas delas, transformadas em extensões de lojas, sem limites ou qualquer constrangimento.
Não é comum ver nas promessas de campanha dos prefeitos algo dirigido exclusivamente às calçadas. Creio que valeria um apelo aos eleitos: cuidem com esmero delas. Afinal, em algum momento do dia e em algum canto da cidade, somos todos pedestres.
*Vicente Loureiro é arquiteto e urbanista, doutorando pela Universidade de Lisboa e autor dos livros “Prosa Urbana” e “Tempo de Cidade”.