ESPAÇO PÚBLICO E QUALIDADE DE VIDA - Correio da Lavoura

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8 de out. de 2024

ESPAÇO PÚBLICO E QUALIDADE DE VIDA

*Vicente Loureiro


A sociedade urbana alimenta-se dos encontros, relações e trocas entre os cidadãos. Valores culturalmente consagrados são praticados e revisados de acordo com a convivência concreta, promovida principalmente nos espaços públicos. São lugares de uso comum e posse de todos, de representação, e, em alguns casos, locus das expressões de desejos e anseios da coletividade. Território do direito de viver pleno e sem restrições.

Refiro-me aos espaços públicos abertos, conformados por ruas, boulevards, calçadas, praças, jardins e parques. Destinados à circulação, recreação, lazer, contemplação e, em alguns casos, à preservação ou conservação ambiental. Quando qualificados e bem geridos, costumam representar o sentimento de civilidade e acolhimento da sociedade local, por meio do compartilhamento generoso de experiências sensoriais agradáveis e, algumas vezes, até encantadoras. Fica evidente o quanto esses espaços públicos de qualidade podem contribuir para elevar a qualidade de vida e até a autoestima da população.


Tais ambientes são cada vez mais importantes no desenvolvimento das cidades, estratégicos mesmo nos esforços de melhoria das condições de vida. Neles, pratica-se a diversidade por meio das mais variadas manifestações culturais. Também promovem mudanças de comportamento e costumes, além de estreitar os laços de solidariedade e socialização entre os habitantes. Alguns deles, inclusive, de tão marcantes, chegam a representar a própria imagem da cidade.

Há esforços conceituais para estabelecer critérios que definam um espaço público qualificado. Ambientes seguros e bem iluminados, com a capacidade de receber eventos de dia e à noite, onde os usuários se sintam protegidos de atos de violência, são um dos pré-requisitos essenciais à qualificação. Da mesma forma, garantir a segurança dos pedestres em relação aos veículos motorizados e evitar experiências sensoriais desagradáveis, como exposição desnecessária ao calor, à chuva, ao vento e aos ruídos, são elementos fundamentais nas ações de qualificação.


Outros bons ingredientes de um espaço público bem qualificado incluem a oferta de ambientes convidativos para caminhar, onde fachadas elegantes e superfícies regulares nas calçadas, livres de obstáculos, proporcionam o prazer de flanar pela cidade. Melhor ainda quando esforços adicionais, como a implantação de canteiros floridos, arborização destacada e mobiliário urbano adequado para quem deseja permanecer ou se sentar, estão presentes.

O estímulo ao desejo de observar o entorno, contemplando diferentes perspectivas da cidade, deve ser encarado como um elemento essencial na qualificação de espaços públicos relevantes, assim como os cuidados com a limpeza e manutenção. Esses, entre outros quesitos, fazem o espaço público cumprir sua principal função: emprestar às cidades que tratam dele com esmero e afeto uma atração especial. Nesses lugares, tem-se a certeza de que a cidade pode ser para todos, sem exceção.

Recentemente, visitei Moscou. Lá, o legado dos comunistas no trato dos espaços de uso comum conquistou os liberais, e esses espaços seguem sendo especiais. Não é como aqui, onde o que é de todos parece não ser de ninguém.

*Vicente Loureiro é arquiteto e urbanista, doutorando pela Universidade de Lisboa e autor dos livros “Prosa Urbana” e “Tempo de Cidade”.