O BAR OK AINDA EXISTE - Correio da Lavoura

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4 de dez. de 2024

O BAR OK AINDA EXISTE

*Jorge Gama


Nas décadas de 50, 60 e 70, em Nova Iguaçu, já existia o que agora chamamos de “bares temáticos”.

A Av. Marechal Floriano era cenário da existência desses bares de clientela específica, mas havia um que abrigava todas às tendências.

Embora a Sorveteria Fla-Flu não fosse um bar, é nessa calçada até a estação ferroviária que encontraríamos os bares e restaurantes com seus respectivos públicos.

O Bar do Rechuem, Paulistinha e Miguel Abdala, recebiam os turfistas da cidade, e seu Antônio Alfaiate, cantava trechos de óperas italianas quando acertava um “acumulado de ponta”.

A nova instalação e decoração do novo Beirute impressionava. As paisagens do mundo árabe e o atendimento afável do Zezinho, abrigava a comunidade árabe e todos lá eram chamados de “primos”.

Depois da praça, em frente à antiga Prefeitura, num sobrado, havia a Cantina do Nino. Era a comida italiana e seus adeptos.

O próximo bar era o Rex, onde a especialidade era outra: “A sopa da madrugada”. Era uma espécie de “fim de linha”. Todos os que já não tinham mais para onde ir ou que haviam passado por todos os bares ou festas, se juntavam aos fregueses permanentes do Bar Rex e ali ficavam até o fim da madrugada e início da manhã.

Na mesma calçada, um pouco mais adiante, ficava o armazém do seu Luiz, pai do Américo Perez Valente, que frequentava todos os bares e conhecia e conhecia todas as bebidas. Conheci o Amareto pelas mãos do Américo, do qual me tornei “compadre” e amigo de vida inteira.

A juventude se aglomerava no Big Bar, do Lúcio Laborinhas, filho do Sr. Xavier e se esparramava até a Av. Irene, porta de entrada do salão de baile do Esporte Clube Iguaçu.

A leiteria da Lolita e do Ernani, que sem nenhum merecimento tinha o apelido de “Lobisomem”, era uma casa calma e sem nenhuma turbulência. O apelido, portanto, não tinha nenhum fundamento aparente.

O próximo era o Bar Brasil, reduto da antiga União Democrática Nacional (UDN), aquela altura extinta pela ditadura. Era um bar conservador, com cenário antigo, austero e silencioso.

O próximo dessa geografia de bares da Av. Marechal Floriano seria ele. Não era sofisticado, mas era moderno para época. Com fórmica e aço inoxidável nos balcões. Às portas talvez fossem largas, não posso afirmar porque nunca as vi fechadas. Aliás, é por isso que não sei bem se haviam portas. Este era o cenário físico do Bar Ok. Porém, havia outro, o cenário humano, este era diferente de todos os outros bares, pois era o local de todas as “tribos”.

Os poucos telefones da época dificultavam a comunicação, mas facilitavam os encontros obrigatórios no Bar Ok.

O Bar Ok não era temático. Longe disso. Era o bar de todos os temas, onde políticos, jovens e idosos, funcionários públicos, advogados, desocupados, filhinhos de papai ou não, todos obrigatoriamente passavam por lá ou viviam lá.

Discutia-se tudo no Bar Ok, política, futebol, religião, música e nada era conclusivo. A democracia existente não permitia que ninguém fosse o “dono da verdade”, todos, a um só tempo, eram os “donos da verdade”.

As discussões não tinham fim e quase sempre tinham início com seu protagonista permanente, o extraordinário professor Márcio Caulino, que entre uma aula de química e sua ida para a Câmara Municipal, onde era funcionário, passava pelo Bar Ok somente para “discutir”. Se a discussão fosse sobre a história de Nova Iguaçu, o impasse seria resolvido por Ney Alberto que chegaria a qualquer momento.

“O Bar Ok nunca foi e nem pretendeu ser um reduto de resistência contra a ditadura militar. Foi muito além disso: ignorou totalmente a ditadura”.

A total liberdade de se falar bem ou mal de tudo, era a filosofia reinante. Não havia censura, nem critérios. Se o cara não fosse um “chato”, iria se enturmar logo na chegada. O Tetê ganhou uma aposta quando se atirou ao chão agarrado a um cachorro-quente no interior do Bar Ok. Seu Júlio imediatamente proibiu ao Martins e todos os seus empregados de servir cafezinho ao Tetê por 60 dias, depois desse desmaio irresponsável.

Chamava a atenção dos frequentadores, uma Rural Willys da firma “Ribeiro & Oliveira Ltda.”, que diariamente ficava estacionada em frente ao bar. Os sócios eram Tião Faquir e Jorginho Bicudo. Paulistinha dizia que pareciam dois portugueses com muita grana e muitas gargalhadas.

No Bar Ok de todos os anos, muitas amizades foram construídas para a vida inteira, momentos de fraternidade. O amigo em dificuldade era socorrido, sem se exigir ou esperar nada em troca e sem saber, estávamos construindo um pouco da história de cada um de nós ou de todos nós. Naquele espaço de liberdade sem preconceito, cada um com seu destino. A divergência severa das discussões, ao contrário de separar unia às pessoas.

As lembranças do Bar Ok permanecerão na vida de cada um de nós. As alegrias, as tristezas e os sonhos, são agora revividos nesse encontro com o nosso passado, que mais uma vez se eterniza.

*Jorge Gama é advogado.